O “manda quem pode, obedece quem tem juízo” pode estar com os dias contados
Imagine que um funcionário de sua empresa tenha uma ideia interessante para propor. A quem você acha que ele a levaria? Ao chefe? Este –com raras exceções– provavelmente responderia: “Volte ao trabalho”? Com a web, no entanto, as organizações têm novas maneiras de explorar esse tipo de inovação e inteligência de cada um de seus membros. Essa é uma das lições de Gary Hamel, que está criando o primeiro laboratório independente de management do mundo na Califórnia, o MLab.
Em entrevista exclusiva a HSM Management, Hamel afirma, por exemplo, que a web, por ser adaptável, impressionantemente inspiradora e capaz de envolver as pessoas, constitui um showroom das qualidades necessárias dentro das organizações de negócios. No caso acima, se a pessoa deixar sua sugestão online, a avaliação da ideia não dependerá do chefe ou de questões políticas e operacionais; os próprios pares poderão ver a sugestão e perceber como é simples. É um novo horizonte de gestão que se desenha.
As práticas de gestão da era industrial não são as mesmas necessárias para o século 21. Que princípios e práticas de gestão são exigidos hoje?
Para entender isso, podemos observar a web. A gestão era a tecnologia social mais importante do século 20; aprendemos a unir as pessoas, produzir em escala e de modo perfeitamente replicável, com eficiência crescente, disciplina e foco. Tudo isso ainda é importante.
Agora, porém, vivemos em um mundo em que as empresas precisam ter capacidade de adaptação bem maior, ser inovadoras na nova economia criativa, e os princípios e processos centrais que herdamos da era industrial não são suficientes. A web é adaptável, impressionantemente inspiradora e capaz de envolver as pessoas. De muitas maneiras, ela ilustra e demonstra as qualidades necessárias dentro das organizações.
Quais seriam essas qualidades?
A arquitetura da gestão tradicional parte do centro para a extremidade: a autoridade está no centro e, conforme se desce na hierarquia, restam os que fazem, não os que pensam. A arquitetura da web é bem diferente: é construída de uma extremidade à outra. Talvez a melhor analogia a que eu possa recorrer sejam os velhos sistemas de telefonia: toda a inteligência era determinada pela central telefônica. Se você queria agregar novas funções, tinha de reprogramar a central. Em muitos casos, se você quer mudar a empresa, precisa reprogramar a área central, a maneira como os chefes pensam, o que é bastante difícil.
O que é estimulante quando se observa a internet é descobrir um modo de unir as pessoas, aproveitar sua inteligência e sua criatividade, para fazer coisas incrivelmente complexas. Isso com base em fatores como transparência, flexibilidade, abertura, colaboração, meritocracia e assim por diante. Acredito que há mais do que uma oportunidade de desenvolvermos organizações baseadas nesses novos princípios, que sejam bem mais capazes do que as dos últimos cem anos.
O que muda no trabalho diário das pessoas?
O trabalho real de criar valor continua o mesmo em qualquer empresa, seja atendendo um cliente, limpando o quarto de um hotel ou desenvolvendo um software. Nesse sentido, muitas funções não mudarão. O que realmente passará por transformações é a maneira como se realiza a gestão, como se estabelecem as prioridades, como se faz a coordenação. Um hotel, por exemplo, é um ambiente com muitas oportunidades de inovação, mas elas nunca se concretizam porque as pessoas que fazem o trabalho rotineiro não são vistas como inovadoras. Pense nos produtos que os hotéis deixam no boxe ou ao lado da pia. Os rótulos são tão pequenos que dificultam a leitura.
Imagine que alguém pense consigo mesmo: “Por que não colocamos um grande X para xampu e um C para condicionador?”. A quem levaria a ideia? Ao chefe? Ele responderia: “Volte para o trabalho”. Com a web, temos maneiras de explorar esse tipo de inovação e inteligência de cada funcionário. Se a pessoa deixar sua sugestão online, a avaliação da ideia não dependerá do chefe; os próprios pares poderão ver a sugestão e perceber como é simples. A web não vai mudar tudo no modo como trabalhamos, mas dará a cada funcionário da organização, independentemente de sua posição, a oportunidade de contribuir e influenciar de uma forma que não era possível antes.
Então, o gestor de uma unidade de negócios pode começar a dizer aos funcionários: “Sobre isso, vocês decidem”. Mesmo assim, deve ter seu planejamento de 12 meses, metas individuais, sistema de bônus...
Essa é uma ótima observação. Vamos colocar assim: pense em “o quê” e “como”. “O quê” não muda muito. O gestor vai continuar a ter planejamento, metas e algum método de mensuração e controle. “Como”, entretanto, pode mudar bastante. Como líder, continuarei precisando de meu planejamento de 12 meses, mas a questão é como desenvolvê-lo. Historicamente, o planejamento, a estratégia e os padrões são criados por poucas pessoas, geralmente no topo da organização. Hoje o que alguns líderes estão fazendo, como na IBM, é convidar profissionais de fora para ajudá-los na definição da estratégia. Acredito, portanto, que as mudanças afetem menos “o quê” do que “como”, ou seja, fazer essas coisas de modo a envolver mais as pessoas e ser mais transparente.
Deixe-me dar pequenos exemplos do que podemos começar a mudar. O Google é desenvolvido com base em um ranking de links de site, dos mais acessados para os menos. No site da Amazon, há um grupo de top reviewers (resenhadores principais). Como você se torna um deles? Fazendo muitas resenhas que outras pessoas considerem úteis. Isso acontece de baixo para cima, não é o presidente da empresa que indica você para participar desse grupo.
Aproveitando essa ideia radical, como construir um sistema na organização em que todos os que ocupam posição de liderança sejam pessoas que os outros desejem genuinamente seguir? O desafio é ser revolucionário e evolucionário, mudar automaticamente a maneira como as pessoas conquistam o poder e o usam. Este é o desafio quando observamos como temos de mudar: sermos revolucionários em nosso pensamento e evolucionários na execução.
E o processo de contratação?
Há algum novo modo de procurar pessoas adaptadas a esse novo estilo de gestão? O processo de contratação é um campo muito interessante, no qual se encontra muita inovação. Quando um candidato passa pelos testes iniciais, o melhor a fazer é colocá-lo para trabalhar com a equipe por um ou dois meses e pedir que seus membros decidam, por maioria absoluta de votos, manter ou não a pessoa. Idealmente, todo mundo em uma organização deveria poder dizer “Eu contratei você” ou “Você me contratou”, com um senso de responsabilidade recíproca.
O processo de recrutamento tradicional não fornece uma visão realmente boa sobre quão colaborativo é um indivíduo e quanto valor vai agregar. Se eu estivesse entrevistando alguém hoje, provavelmente minha primeira questão seria: “O que você fez ao longo de sua vida? No que sente que teve maior impacto, mesmo sem ter autoridade formal?”. Não quero que ele diga o que fez em seu último emprego como vice-presidente ou diretor de uma divisão da empresa, e sim que identifique uma época em que não teve autoridade hierárquica e alcançou algo extraordinário. O que me importa é: “Quando você foi capaz de mudar as coisas por meio da motivação, inspirando as pessoas e criando um ambiente de trabalho melhor?”.
Você e parceiros criaram a iniciativa –e o site– Management Innovation eXchange (MIX) com o objetivo de reinventar a gestão. A que vem esse manifesto?
Essencialmente, acreditamos que a gestão –as ferramentas que utilizamos para mobilizar e coordenar os recursos humanos – é uma das mais importantes tecnologias sociais que os seres humanos já inventaram. Muitas pessoas enxergam a gestão como algo chato. Contudo, trata-se de uma importante ferramenta social, que eu chamo de tecnologia das conquistas humanas. O que podemos fazer como espécie, os problemas que somos capazes de resolver, a diferença que conseguimos fazer, tudo isso é limitado pelas ferramentas de que dispomos para unir as pessoas.
Portanto, nossa visão é a de que a gestão precisa ser reinventada em função dos desafios que enfrentamos atualmente. Já está ocorrendo uma extraordinária inovação da gestão em todo o mundo, em empresas nas quais muitas vezes não se esperaria que acontecesse. No entanto, historicamente, a maneira como documentamos e disseminamos essa inovação tem sido muito desordenada e, com o MIX, criamos uma plataforma para reunir tudo isso, a primeira plataforma aberta de inovação em gestão. No site www.managementexchange.compostamos desafios fundamentais, os “management moonshots”, e pedimos que pessoas de todo o mundo compartilhem as coisas que fizeram ou que estão em andamento ou simplesmente as ideias que têm.
Reinventar a gestão é importante demais para que fique só por conta dos especialistas, como “gurus” e presidentes de empresas. Tem de ser feito por pessoas ao redor do mundo nos dois, três ou quatro níveis inferiores da hierarquia que estão tentando algo novo e que compartilhem isso. Portanto, estamos usando os poderosos princípios do desenvolvimento de softwares de plataforma aberta para reinventar a maneira como lideramos, gerimos, organizamos e planejamos essas tecnologias sociais importantes.
E a base para criar o MLab na Califórnia é similar... Nessa transformação, quais as barreiras mais significativas?
A maior barreira para fazer essa transformação fundamental são os vastos interesses do velho modelo. Quem ocupa uma posição sênior na organização e acumulou poder valendo-se da autoridade burocrática pode se sentir desconfortável com uma gestão diferente, sobretudo em um cenário em que aumentar a autoridade dependerá não do cargo, mas da habilidade de inspirar e colaborar. Acredito, porém, em formas de coaching e de encorajar as pessoas a liderar de maneiras novas. Mas vai ser difícil.
Vários líderes já compreendem que os desafios que enfrentam ultrapassam sua capacidade individual, tanto intelectual como de liderança. Os desafios são extremamente complexos e o mundo está mudando muito rápido. A ideia de distribuir as tarefas da gestão para maior número de ombros, para mais pessoas, possui certo apelo, porque enfrentar esse desafio sozinho é demais para um só suportar.
A gestão a que o sr. se refere inclui a liderança?
Penso que, muitas vezes, a distinção entre liderança e gestão é usada para justificar privilégios. Não faço mais essa distinção entre líder e gestor. O que quero é um modelo em que as pessoas assumam posiçõesde liderança porque outras desejam segui-las – assim como acontece na web.
A que “management moonshots” o sr. daria prioridade?
No topo da lista deve estar a confiança. O engajamento dos funcionários é bem baixo na maioria dos países e isso ocorre porque eles não confiam em seus líderes. O segundo ponto seria como desenvolver organizações que pareçam comunidades e não burocracias. Por milhares de anos, vivemos com base na comunidade (a família ampliada, a vila), mas perdemos isso quando passamos a assumir papéis especializados. É hora de nos reconectarmos.
*Esta reportagem foi publicada pela Revista HSM Management (br.hsmglobal.com)
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