quarta-feira, 5 de maio de 2010

Estratégia está na moda

Consultora Sônia Elbachá explica como coordenar a relação com a indústria, a precificação e a exposição no ponto-de-venda para construir uma marca de varejo competitiva e lucrativa.
O planejamento estratégico de coleções no varejo de moda é uma ferramenta de gestão essencial para o lojista que deseja se manter atraente para o consumidor contemporâneo, que busca não apenas estilo mas também preço e praticidade. Na entrevista a seguir, a consultora Sônia Elbachá explica como coordenar cada fase desse processo, que envolve do gestor do negócio à equipe de vendas. Com foco no varejo multimarca, ela explica como coordenar fatores que incluem a relação com a indústria, a precificação e a exposição no ponto-de-venda para construir uma marca de varejo competitiva e lucrativa.
Dirigente Lojista – Como o planejamento estratégico deve ser aplicado dentro do contexto de uma loja de vestuário?
Sônia Elbachá – O varejo de moda no Brasil trabalha habitualmente com o processo de compra de produtos focado em dois aspectos: em orçamentos baseados na projeção de receitas ou – principalmente no caso do pequeno e médio varejo – escolhendo produtos de acordo com a percepção e o gosto pessoal do dono ou do responsável pela área de compras. Muita gente no varejo multimarca ainda trabalha com a prática de comprar olhando o que cada fornecedor propõe, o que eles gostam, o que acham que está com preço adequado. Ou seja, a seleção dos produtos muitas vezes é feita pelas próprias marcas e não pelo varejista, que sai comprando sem pensar em como aqueles produtos se intercomunicam, tanto no aspecto da estratégia de preço quanto na estratégia de imagem. É por isso que o planejamento estratégico de coleção deve trabalhar com foco em duas vertentes: no planejamento orçamentário, permitindo ao lojista ter um estoque que atenda suas necessidades de giro de produto e seus objetivos de receita; e no planejamento focado na eficiência dos produtos no ponto-de-venda, integrando aqueles itens que são complementares em imagem para que formem uma unidade visual capaz de comunicar conceitos definidos antecipadamente.
DL – Como aplicar essa forma de trabalhar com as coleções no dia-adia do varejo?
Sônia – Antes de o lojista pensar na compra dos produtos, é importante que ele entenda qual é o objetivo do negócio, quem ele pretende atender e que imagem ou conceito ele deseja transmitir. A partir dessa definição de conceito, que está diretamente ligada à gestão da marca do varejo, se desenvolve o planejamento de compras, que varia no decorrer de cada período. Mas essas variações precisam seguir um objetivo mercadológico e um conceito de marca. Se formos categorizar etapas, o planejamento começaria com a análise do ambiente e de cenários do mercado, com coleta de dados próximos ao lojista. A pergunta a ser feita é “O que os meus consumidores estão desejando?” Isso o próprio lojista pode observar dentro da loja, conversando com os vendedores. Depois é que vem a hora da compra, contemplando os tipos de produto necessários para atender essas demandas. Eles devem estar agrupados entre si em linhas de produtos, criadas a partir de uma imagem macro que o lojista tem. Cada linha terá um conceito que também será expresso a partir de cada produto, de seu preço e da imagem que ele possa transmitir. No varejo de moda se trabalha com muita diversidade de materiais, de cores e de formas. Se o lojista misturar todos os produtos na vitrine ou na exposição interna da loja, ou se os vendedores não souberem como harmonizá-los, a loja não consegue oferecer para o consumidor uma complementariedade de produtos. Vai vendê-los como itens isolados, sem aproveitar o potencial da venda complementar que otimiza o ticket médio.
DL – Hoje em dia as lojas de vestuário costumam exibir looks montados com seus produtos como sugestões para o cliente. Essa estratégia está correta?
Sônia – Está. Mas muita gente trabalham com essa visão de imagem e produção de moda apenas na vitrine e esquece de fazer isso em todo o interior da loja, na exposição dos produtos, nas araras e – principalmente – no estoque. O planejamento de coleção existe justamente para criar uma unidade entre toda a estratégia da empresa, que vai da exposição do produto até sua organização no estoque. E passa também pela estratégia de preços. O consumidor hoje está muito mais multifacetado, e acaba adotando uma diversidade de estilos em diferentes momentos de sua vida. Então, para que o varejo deixe de ser apenas um ambiente vendedor de produtos e passe a ser uma loja que tenha marca, que trabalhe com o aspecto sensorial para alcançar e estimular o consumidor, é importante que todo o ponto de venda e os produtos escolhidos para fazer parte do negócio transmitam uma mensagem única.
DL – A ideia então é escolher um determinado perfil de consumidor e focar suas estratégias naquele perfil apenas?
Sônia – Não seria apenas focar em um único perfil. Independente se o varejo está focado no segmento feminino ou masculino, no público de baixa renda ou média renda, é importante entender que as pessoas transitam por diferentes grupos sociais e diferentes ambientes em diversos momentos na sua vida. Hoje não temos consumidores  com um único estilo de vida apenas. Temos diferentes estilos em um mesmo consumidor. Então, como atender a essa diversidade de interesses de indivíduos multifacetados, sem oferecer produtos em excesso e que não comuniquem nada para o consumidor? O objetivo é alcançar uma diversidade com unidade. É por isso que o conceito de planejamento estratégico de coleção vai além do varejo de vestuário e pode ser aplicado em diversas categorias de produto. Essa tendência pode ser observada em segmentos distintos, como o de decoração e objetos para o lar, de eletrônicos, de automóveis etc. Pensar em coleção significa pensar nos produtos de forma integrada, tanto no aspecto de imagem quanto no aspecto comercial. Ao contrário do que muita gente pensa, o planejamento estradirigente 19 Pensar em coleção significa pensar nos produtos tanto no aspecto de imagem quanto no aspecto comercial tégico não tem a ver com aquela imagem que as marcas muitas vezes passam nos desfiles de moda, que faz com que as pessoas pensam que aquela coleção foi pensada só como mensagem conceitual e lançadora de tendências. Não é isso. O planejamento estratégico inclui a integração de produtos não apenas em cores, formas e texturas, mas também sua exposição no ponto-de venda, de forma que façam sentido para o consumidor, para que ele possa desejar não apenas uma única peça, mas vários produtos que aquela loja propõe. É importante ter em mente que o consumidor não compra um artigo de moda apenas pela sua função básica. Ele quer comprar imagens projetadas, realizar sonhos e suprir necessidades que não são simplesmente funcionais ou objetivas. Para alcançar esse aspecto emocional do consumidor, os produtos oferecidos dentro da loja precisam transmitir um conceito. Cada produto sozinho deve ter o poder de seduzir, de comunicar, de despertar o desejo e o interesse, seja pela forma, seja pelo preço, seja por sua função. Mas a combinação dos produtos no ponto-de-venda é que vai possibilitar o entendimento da mensagem que o lojista deseja transmitir para o consumidor.
DL – Dentro desta visão estratégica, como você avalia a relação entre o lojista e seus fornecedores, principalmente no varejo multimarca?
Sônia – Atualmente muitas indústrias que tinham marcas fortes, construídas somente via propaganda, estão tendo que repensar seu processo de construção de marca. E essa reformulação tem ocorrido principalmente na integração dos próprios produtos entre si e das ações de relacionamento com o consumidor no ambiente da loja. No segmento esportivo, por exemplo, as marcas já conseguem ter sinergia com o ponto-de-venda e trabalhar mais claramente os conceitos desde o momento em que são concebidos e produzidos até o momento em que estão distribuídos no ponto-de-venda. Você entra em uma loja de moda esportiva e você vê claramente as coleções de cada marca expostas na forma de corners. No varejo de vestuário, o que vemos é que muitas marcas fortes no segmento de moda explorando a estratégia de franquias. Ao fazerem isso, elas abandonaram de certa forma a estratégia de construção da marca no varejo multimarca. Com isso, principalmente nas cidades do interior, onde as franquias mais fortes de moda ainda não atuam, você encontra essas marcas apresentadas de forma mais dispersa. Os lojistas compram as marcas mas não exploram todo o potencial que elas têm, por não conseguirem trabalhar em sinergia com a indústria O próprio lojista acaba comprando produtos que tenham marcas fortes, e não produtos que se complementem e façam sentido dentro da proposta da loja. Um dos caminhos para o varejo multimarca é trabalhar com as marcas expostas de maneira com que cada uma delas tenha seu espaço e funcione como uma minicoleção. O essencial  que elas se complementem entre si e transmitam o conceito geral da marca do varejo. Aí é como se cada marca da indústria funcionasse como um grupo de linha para o varejo.
DL – Qual a importância do fator preço no planejamento estratégico?
Sônia – Além de formarem grupos de linha, as marcas da indústria precisam estar integradas também por faixa de preço. Porque é cada vez mais comum um mesmo consumidor buscar tanto produtos premium quanto produtos promocionais. Então o varejo hoje precisa de mais elasticidade de preço e e mais extensão nas linhas de produtos. Não para atender a todos sem distinção, mas sim para atender melhor seu público-alvo. Muitas vezes a pessoa compra uma calça jeans de R$ 400 mas também quer comprar camisetinhas básicas de malha. Se a loja oferece apenas a opção de R$ 150, ela vai comprar uma camiseta ou então não vai comprar nada. Se ela encontraa de R$ 39, ela pode comprar a calça e  mais três ou quatro camisetas em cores diferentes.
DL – Como é possível trabalhar de forma integrada diferentes categorias de produtos dentro da loja?
Sônia – É importante ter em mente que o varejo de moda não pode trabalhar apenas com produtos de modismo, senão ele quebra. Se fosse assim, a cada final de estação teríamos uma mudança total de coleção e aí a gestão de estoques inviabilizaria o negócio. O consumidor não consome só a efervescência da novidade. Ele também quer produtos que atendam seus desejos mais clássicos, que sejam atualizados de uma forma mais discreta e tenham mais longevidade. Esses itens permitem reposições mais  continuadas, principalmente nos picos de venda. Então o lojista deve trabalhar a divisão da coleção equilibrando produtos que não serão repetidos no decorrer do semestre e que precisam ser renovados com mais frequência com outros que ele poderá testar e repetir durante uma ou mais estações. Outro grupo importante são os produtos de vanguarda, que servem como direção para apontar novos desejos do consumidor. Esses itens serão diferentes para cada loja e terão significados diferentes. Mas toda loja precisa ter produtos considerados de vanguarda para o seu público, que inovem e antecipem tendências que darão retorno mais para frente. Eles cumprem um papel mais importante na construção de marca do que no resultado de vendas. Não terão alto giro, mas sim um papel quase de mídia, uma ferramenta de comunicação para atrair o consumidor e despertar novos desejos. Além disso, há um outro grupo de produto que atende ao consumo de praticidade e bemestar, e que toda marca precisa ter. São aqueles tênis mais funcionais, as roupas para o dia-a-dia, o jeans básico. Eles também permitem reposições continuadas e otimização do estoque, dando uma base de sustentação para que o varejo tenha produtos que não gerem tanta perda. A retenção dos consumidores é alcançada na medida em que se consegue ter as novidades  acompanhadas de itens que o consumidor diz “eu adorei esse produto e quero voltar para  comprar outro igual”. Cada linha tem tempos de compra e de reposição diferentes entre si.
DL – Os produtos mais básicos seriam então uma espécie de “coringa”, mesmo para aquelas lojas com perfil mais sofisticado?
Sônia – Os produtos básicos e versáteis têm grande importância. Uma camiseta branca exposta com uma calça jeans vai ser percebida como um produto básico, enquanto a mesma camiseta exposta com um blazer vai passar outra imagem. O mesmo item pode girar dentro da loja a cada semana, transmitindo  uma sensação de mudança sem o lojista precisar renovar todo seu estoque. Essa é uma ação acessível a lojas de todos os tamanhos. Basta perceber que, quando vendemos bens de moda, estamos trabalhando com objetos-signo, que significam alguma coisa de acordo sua relação com outros objetos.  Não são símbolos imutáveis. A forma como você apresenta o produto em sua composição com outros produtos da loja é que vai posicioná-lo de forma simbólica para o consumidor.
DL - Qual o papel do vendedor no planejamento de coleção?
Sônia – O vendedor tem um papel fundamental desde o momento em  que se faz a coleta de dados para começar o planejamento. É preciso saber como os clientes estão se sentido dentro da loja, o que eles pedem, o que eles não levam. E a única forma da loja registar as reações espontâneas do consumidor – uma expressão de “uau” ao ver um produto, por exemplo – é por meio do  vendedor. Além de ser uma importante fonte de informação inicial, ele também é essencial no meio desse processo, pois precisa entender como o lojista planejou sua coleção para poder, por exemplo, fazer a arrumação do estoque de acordo com os grupos de linha. Para isso, a loja precisa saber transmitir para o vendedor o que exatamente quer com sua estratégia de coleção. E no final do processo, é o vendedor quem tem a responsabilidade de atender o consumidor com presteza, com versatilidade e com educação.

Conteúdo publicado no Dirigente Lojista

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