quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O poder das más idéias

Por Sidney Santos

Desistir o mais rápido possível de algo que não tem como dar certo é tão importante quanto dar vida a um plano realmente bom


Muitas das minhas ideias deveriam ser jogadas no lixo o quanto antes
Todos os dias me vem uma ideia. Acho que isso é coisa de empreendedor. A gente adora inventar — e fica tão feliz quando aparece uma ideia que nem para para pensar se ela é realmente boa. Durante muitos anos, quis colocar tudo o que eu pensava em prática. Mas,
com o tempo, aprendi que muitas de minhas ideias devem ser jogadas no lixo — e, quanto antes, melhor.


Acho que todo empreendedor já passou pela experiência de insistir num projeto que não vai para a frente. Quando isso acontece, ficamos matutando para identificar o que está dando errado. Culpamos os funcionários, dizendo que eles não trabalham direito. Culpamos os fornecedores, reclamando dos custos. Culpamos os concorrentes, a legislação tributária, o governo atual, o governo anterior, o cenário econômico mundial. Culpamos até o coitado do cliente, que, afinal, não enxerga o quanto é bom aquele produto ou serviço que a gente inventou.
Dificilmente admitimos que o problema  pode estar na ideia, que era ruim de nascença e não ia dar certo nunca. Isso é tão importante quanto dar vida a um projeto realmente bom quem fica gastando dinheiro e energia com coisas que só podem dar errado não vai ter forças para investir no que tem chance de dar certo.
Lembro agora de uma ideia péssima que, na ocasião, achei muito boa. Era 1990, e eu tinha lido uma notícia sobre a volta do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 ao autódromo de Interlagos, em São Paulo. Resolvi fazer adesivos em forma dos carros de corrida para vender na porta do autódromo. Pensei: a minha empresa, o Grupo Sid, já faz comunicação visual e há estrutura para a produção. Também tenho dinheiro para a matéria-prima.
Li no jornal que haveria mais de 100.000 pessoas no evento. Fiz as contas. Considerei que, se apenas 10% do público se interessasse pelos adesivos, já ganharia um bom dinheiro. O custo de dez adesivos era, em dinheiro de hoje, 5 reais. Seriam vendidos pelo dobro. Eu me achei um gênio.
Faltavam apenas sete dias para a corrida. Parei tudo e coloquei todo mundo para fazer os adesivos. Produzimos 13.000. Com tudo pronto, aluguei uma Kombi e juntei os seis melhores vendedores. No dia da corrida, seguimos ainda de madrugada para o autódromo. Ficamos bem em frente à entrada principal e começamos a oferecer os adesivos. O interesse do público pareceu bem menor do que eu
havia imaginado, mas insisti. Ficamos 8 horas ali, até que o último espectador entrou. Voltamos para a Kombi para o balanço. Tínhamos vendido 11 pacotinhos no total.


Não restou muita coisa a fazer a não ser subir no capô da Kombi, abrir umas latinhas de cerveja e ver a corrida. Aluguel da Kombi: 300 reais. Matéria- prima para os adesivos: 2.600 reais. Assistir à corrida empoleirado no teto da Kombi: não tem preço.
Não sei por que não percebi quanto o plano dos adesivos era ruim. Os fãs de F1 gostam de produtos oficiais com a marca das  escuderias, como camisetas da Ferrari ou bonés da McLaren. Além disso, todos estavam tão enlouquecidos para ver carros de verdade
que nem prestavam atenção na gente.


De lá para cá, continuo tendo ideias que não prestam. A diferença é que consigo perceber a ruindade mais cedo. No caso da corrida, tive várias oportunidades para desistir. Poderia ter pensado melhor e nem fabricado nada. Poderia, depois de tudo pronto, chegar à conclusão de que não valeria a pena ficar aquele tempo todo parado na entrada do autódromo. Mas não — eu fui até o fim.
Ter ideia besta é natural. Elas vão aparecer sempre. A sabedoria consiste em eliminá-las logo. As más ideias têm um poder danado —conforme ganham vida, fica mais difícil enxergar a raiz do problema.

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