Mauricio Tagliari
Copa do mundo e vinho. Um binômio inevitável em meus dias recentes. Antes de mais nada, diria que nunca me ocorreu fazer tal ligação. Mas, logo de cara, desde o anúncio da Copa africana, os vinhos da África do Sul têm sido mais ofertados por estas bandas. Há até um vinho oficial da Copa nas prateleiras dos supermercados.
Além disso, notei que os principais países produtores estão representados e bem distribuídos nas chaves. Itália, França, Espanha, Portugal, Argentina, Alemanha, Chile, Austrália, EUA e até a Nova Zelândia competem no mercado mundial de vinhos e também estão entre as 32 melhores seleções de futebol do planeta. E com exceção dos quatro últimos, todos têm alguma chance real de ser campeão. São, juntamente com Brasil, Inglaterra e Holanda, os verdadeiros favoritos ao título.
Verdade seja dita, os vinhos andam bem mais interessantes do que esta Copa de pouquíssimos gols e muitas vuvuzelas. Nem mencionemos o triste jogo entre Brasil e Coreia do Norte. Depois de estreias nervosas, covardes ou relapsas de quase todos, fora a Alemanha, a primeira rodada se fechou com a mais inesperada das zebras. Eis que a campeã europeia, apontada por quase todos com uma das quatro principais favoritas, estreia com derrota para a menosprezada Suíça!
A Espanha é um caso sui generis. Este país que é uma colagem de culturas distintas, dividido por regionalismos exarcebados, com um campeonato nacional entre os melhores do mundo, sempre teve na sua seleção, ironicamente chamada de Fúria, uma fonte de frustração. Acusou-se durante anos a divisão cultural e política, a rivalidade entre Madri e Barcelona, de ser a raiz do problema. A Espanha joga bem, mas nunca chega! Parecia que isto seria superado desta vez. Mas esta derrota trouxe o fantasma de volta. É pra deixar qualquer espanhol furioso, mesmo.
Na vinicultura, curiosamente, estas rivalidades regionais são muito positivas. Ainda mais pitoresco é que, se há algo a unir praticamente todas as regiões espanholas, mais do que o próprio idioma, é a onipresente uva tempranillo. Claro que, para complicar um pouco, eles lhe dão um nome distinto em cada canto. Mas é sempre ela: a versátil rainha das cepas espanholas. Além dela, é bem verdade que outras também brilham. Com destaques para monastrell e garnacha, entre os tintos, e verdejo, viura e albariño, entre os brancos.
Na última semana, houve no Rio e em São Paulo a edição anual da degustação Vinos de España, organizada pelo Instituto Espanhol de Comércio Exterior, que traz produtores interessados em exportar ou encontrar representantes no Brasil. É uma ótima chance de conhecer vinhos diferentes.
Sou um admirador da viniviticultura espanhola. E me surpreende seu baixo consumo por aqui. Os vinhos espanhóis são tristemente injustiçados no Brasil. Segundo o Icex, ocupam 5% do nosso mercado. Seu consumo esbarra na falta de uma imagem estabelecida, no baixo consumo brasileiro e, mais do que tudo, na competição desigual de preço com argentinos e chilenos.
Ainda assim, eles vêm tentando apresentar alternativas interessantes. O que me chamou a atenção neste evento foi a percepção de uma modernização em quase todos os produtores. A repetição da fórmula um jovem, um crianza, um reserva e um gran reserva, é coisa do passado. Hoje há uma profusão de vinhos de autor com cortes interessantes. Ou ainda o uso de cepas estrangeiras menos óbvias.
Surpeendente, para mim, foi degustar ao menos uns três gewurstraminer e até um riesling, todos muito bons. Estas castas alemãs, assim como as francesas mais correntes, cabernet sauvignon, merlot e syrah, adquirem novos atributos quando cultivadas nos terroir ibéricos. Talvez porque enfrentam os extremos de temperatura bem mais raros em suas regiões de origem, de 40 graus no alto verão para vários graus abaixo de zero no inverno ou pelo próprio solo mais pobre, o resultado é sempre muito interessante. Não descartemos, também, a influência das técnicas regionais de vinificação. O homem e sua cultura, enfim.
Entre estas curiosidades, destaco da Vintae - um grupo que controla dez diferentes bodegas espalhadas pela península -, o 100% riesling da Spanish White Guerrilla, do - para mim desconhecido - DOC valles de Sadacia, de 12 graus de álcool, com aromas finos, sutis, untuoso e elegante. É colhido em setembro durante a madrugada para buscar as temperaturas mais amenas. De cor amarela pálida, na boca apresenta um bom equilíbrio e ótima acidez. Não espere um riesling alemão ou alsaciano. Nenhum exagero de mineralidade. É algo bem diverso, mas muito interessante. Uma luz diferente é jogada sobre esta maravilhosa uva.
Aliás, esta empresa chama a atenção por seus vários vinhos de diversas regiões e de muitos estilos. Todos com rótulos muito bonitos, super criativos e a maioria com nomes estranhos. Além do citado acima, experimental e moderno, e com o nome audacioso e em inglês, há outros como os da Bodega Matsu, isto mesmo, um nome japonês que dizem significar ¿espera¿, um projeto vinícola da região de Toro, que apresenta tintos 100% tinta de toro, de três níveis: Matsu, El Recio e El Pícaro. Todos muito bons. O portifolio da Vintae é interressantíssimo e faria a alegria do enófilo brasileiro se encontrasse algum distribuidor local. Lembrou-me um pouco, pela diversidade, ousadia e cuidado visual, a filosofia do famoso Telmo Rodriguez, uma estrela da moderna enologia espanhola.
Outro destaque vai para o Casa Benasal 2009, 60% gewurztraminer e 40% moscatel. Ecologicamente certificado, usando leveduras autóctones, fez a fermentação malolática e tem uma pequena porção fermentada em barricas. É um vinho extremamente agradável e, mais uma vez, muito diferente. Com muita fruta e as esperadas especiarias. Diferente do gewurztraminer, desta vez 100%, da Tera y Castro, o Eilun 2009 de Castila y León. Outro curioso exemplar de uma adaptação estranha e inesperada.
Um dado mostra algo sobre a personalidade deste povo apaixonado. Quando indaguei sobre a opção de vinificar riesling e gewurstraminer na Espanha, a resposta foi quase sempre a mesma: algum proprietário teimoso e algo amalucado gostava das cepas, mandou plantar e pronto. Uns nos anos 40, outros nos anos 60. Não pensavam em DOC ou terroir. Apenas queriam estas castas nas suas terras. Os novos vinicultores se aproveitam desta sorte.
Os espanhóis podem perder a Copa, mas seus vinhos merecem estar sempre mais presentes enchendo nossos copos. Bebê-los é gol certo.
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