As miniaulas de um ex-gestor de fundos já foram vistas mais de 23 milhões de vezes no YouTube e chamaram a atenção do Google e de Bill Gates
Para um estudante exemplar, dono de dois diplomas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e um de Harvard, Salman Khan tem uma visão supreendentemente pessimista do ensino nas escolas tradicionais: "As aulas são um saco. Metade dos alunos dorme. Eu dormi. Você pode conferir, está tudo na internet. Te desafio a assistir a duas ou três delas até o fim. Se aguentar, te pago um jantar". Khan, que também é professor, não pode garantir que ninguém pegue no sono durante as aulas que ele dá, afinal não conhece nenhum de seus alunos, não trabalha numa escola, não suja as mãos de giz nem corrige provas. Khan é um professor de YouTube. Ou melhor: ele é o professor superstar do YouTube. Suas 17 000 aulas em vídeo já foram vistas mais de 23 milhões de vezes, em menos de quatro anos. Seu canal tem mais audiência que todos os vídeos combinados de dezenas de professores do MIT. Seus alunos estão espalhados pelo mundo e incluem até Bill Gates, que acompanha as aulas com seus filhos.
Khan é o professor mais popular do mundo por acaso. Depois de se formar em Harvard, ele diz que "se vendeu". Foi trabalhar como gestor em um fundo hedge de pequeno porte. Saiu de lá "com menos de 1 milhão de dólares" e tentou abrir um fundo próprio. Veio a crise financeira de 2008, e a ideia nem saiu do papel. Na época, Khan ajudava uma prima de 12 anos que tinha dificuldade em matemática. Ela estava em New Orleans, ele, em Boston. Chegou a criar um software de exercícios, mas depois descobriu que a melhor solução seria gravar vídeos e colocá-los no YouTube, pois poderia ensinar uma vez e ser visto várias vezes. No começo, os alunos eram outros parentes. Em um mês, chegaram os primeiros e-mails de agradecimento de estranhos. Os vídeos começaram a ser vistos centenas, depois milhares de vezes. "Meu emprego estava chato, e eu me interessava cada vez mais pela gravação das aulas", diz Khan. Em 2009, abandonou o emprego para dedicar-se integralmente ao que batizou de Khan Academy.
O nome sugere alguma pompa ou pretensão, mas a Khan Academy não poderia ser mais despojada. O site é basicamente uma coleção de links para os vídeos no YouTube. O forte ainda é a matemática, mas já há aulas de biologia, química, física e finanças. Os vídeos são rudimentares. Khan grava tudo num pequeno estúdio, na verdade um closet da casa onde mora com a mulher e o filho pequeno, na região de São Francisco. Ele nunca aparece nos vídeos. Ouve-se apenas sua voz, e na tela preta vão surgindo os traços que ele desenha numa prancheta conectada a seu computador. Apesar dos poucos recursos tecnológicos, o entusiasmo da narração, seja ela sobre a crise de crédito ou um conceito de trigonometria, é percebido imediatamente. Khan é um professor apaixonado. As aulas são curtas: têm entre 10 e 15 minutos, e os temas são sempre bem específicos. "O YouTube pode ser uma excelente ferramenta de aprendizado", diz Lisa Nielsen, autora de um blog sobre inovações na educação e consultora para a digitalização das escolas de Nova York. "Os estudantes podem procurar o que quiserem, quando quiserem. E mais: os alunos buscam as aulas. Esse interesse é essencial para o aprendizado."
As aulas estão todas no YouTube, mas não apenas lá. Por intermédio de uma parceria com a ONG World Possible, que providencia servidores com aulas gratuitas em países pobres, as aulas da Khan Academy já foram levadas para Etiópia, Serra Leoa, Uganda, Nepal, Índia e Equador. "Levamos esse conteúdo até para áreas rurais dos Estados Unidos onde a conexão de internet nas escolas é ruim", diz Norberto Mujica, um dos fundadores da World Possible. Todo o conteúdo da academia é e sempre será gratuito, diz Khan. Ele ficou sem salário durante quase um ano e sempre resistiu à venda de publicidade. Mas a iniciativa logo chamou a atenção de gente disposta a contribuir para manter a ideia viva. A Khan Academy recebeu 350 000 dólares em doações de indivíduos. No final de setembro, foi escolhida uma das cinco vencedoras do projeto 10100, um concurso realizado pelo Google que teve mais de 150 000 inscrições de 170 países. O prêmio de 2 milhões de dólares será usado para traduzir as aulas para outras línguas, entre elas o português, diz Khan. Outra ideia é criar uma estrutura para melhorar o site e levar a iniciativa para mais países. "Minha intenção é que uma pessoa que tenha estudado na academia possa ter seu conhecimento validado como o de qualquer outra instituição de ensino."
Isso pode acontecer um dia, mas antes Khan terá de fazer crescer a Khan Academy sem perder o jeitão informal de suas aulas. O plano é contratar pessoas para criar uma estrutura administrativa para o site. O próprio Sal Khan diz que não pretende se envolver na gestão e que a ideia é continuar com as gravações no seu miniestúdio. Khan é um sujeito elétrico e fala rápido demais, como se sua boca não desse conta de acompanhar a velocidade de seu pensamento. No dia em que conversou com EXAME, publicou mais duas aulas de química, vistas quase 5 000 vezes em três dias. No dia seguinte, mais duas. Sobre a contratação de outros professores, ele é reticente. "Não descarto a ideia, mas teria de encontrar outras pessoas que tivessem o mesmo estilo de ensinar." A princípio, o professor continuará sendo ele mesmo. Capacidade de trabalho não vai faltar.
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