Vencer a morte é o desejo maior da humanidade?
Quando José Saramago faleceu, fiquei a lembrar dos bons livros que o português deixou como legado para os homens. Dentre alguns títulos, recomendo As Intermitências da Morte, obra na qual Saramago descreve um acontecimento no mínimo estranho. Em um determinado país, após a virada do ano, as pessoas deixam de morrer. De um dia para o outro, o que era o maior dos medos dos indivíduos, ou seja, a morte, entra em greve.
De início podemos pensar que isso significa a vitória sobre o maior dos males, a superação da única certeza até ali sustentada, portanto, ser eterno seria a plena realização humana.
Mas, de modo magistral, José Saramago nos traz o caos que toma conta do país da imortalidade. O ato de morrer era visto com tanta naturalidade que o fim dessa obrigação torna os paradigmas da humanidade (religião, sustentabilidade natural, planejamento urbano) inválidos. O que o autor mostra de forma irônica é a adequação das nossas crenças a cada contexto social. O tema da ressureição católica é exemplar. Como crer na ressureição se de uma hora para outra o dom da vida passa a ser eterno? A resposta dada por Saramago expõe as convicções do autor, às quais ele nunca abriu mão: as instituições religiosas entram em pânico a ver os dogmas se perdendo em meio ao ganho da imortalidade.
Pode-se dividir a obra em três partes. A primeira é a intermitência da morte, uma visão panorâmica dos fatos a partir do dia 1º de janeiro, quando ninguém mais morreu naquele país. Aqui são abordados os paradoxos da ausência da morte, conflitos, discussões e soluções para o problema dos que não morrem nem podem voltar a viver, os moribundos.
No sétimo capítulo há uma carta encaminhada pela morte a uma emissora de televisão, para que seja levada a público a notícia de seu retorno. Contudo, o retorno dar-se-á sob novas regras: “a partir da meia-noite de hoje se voltará a morrer tal como sucedia, sem protestos notórios (...) ofereci uma pequena amostra do que para eles seria viver para sempre (...) a partir de agora toda a gente passará a ser prevenida por igual e terá um prazo de uma semana para pôr em dia o que ainda lhe resta na vida”. Para cada um a quem estivesse a chegar a temida hora da partida sem volta, o tal prazo de sete dias seria precedido pelo recebimento de uma carta, de autoria da morte, anunciando-lhe a “rescisão deste contrato temporário a que chamamos vida”. Este novo sistema de anunciação e a reação das pessoas - também calamitosa - tomará os próximos três capítulos.
Vou parar de escrever e vou deixar que cada um tire suas impressões da obra, li e recomendo. Saudações!
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